O início em Maceió: música e futebol.A chegada ao Rio e uma estreia históricaOs anos 80 e o sucesso mundialO (re) encontro com a África e EspanhaMaturidade e independência total
Cap. 01
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Cap. 03
Cap. 04
Cap. 05
O início em Maceió: música e futebol.
A chegada ao Rio e uma estreia histórica
Os anos 80 e o sucesso mundial
O (re) encontro com a África e Espanha
Maturidade e independência total

Quando acompanhava sua mãe, Virginia, nas suas idas à beira do rio onde ela lavava roupa junto com outras lavadeiras de Maceió, o menino Djavan percebia, com indisfarçável orgulho já aos cinco anos de idade, como sua mãe puxava bonito o canto com as colegas de trabalho, como distribuía as vozes e fazia bonitos solos. Sem saber, tinha ali, à beira de um rio na periferia de uma periférica cidade do Nordeste do Brasil, suas primeiras lições de música. E de beleza.

Em casa, sua musicalíssima mãe ensinava-lhe as primeiras canções que vinham do rádio: Orlando Silva, Ângela Maria, Dalva de Oliveira lá das ondas da Rádio Nacional no Rio. E, mais próximos no sotaque e na geografia, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, aquela música que ele ouvia nas ruas e feiras de Maceió, e no serviço de alto-falantes na praça.

Foi Virginia, sempre ela, que percebeu primeiro seu talento para a música. E que incutiu em Djavan o sonho de ser “cantor de rádio”.

Djavan Djavan

Mas quase que outro sonho atravessa o sonho de sua mãe. Djavan era um craque, e não só da voz e do ouvido privilegiados, mas com a bola nos pés. Aos 11 anos, ele jogava um excelente futebol nos campos de várzea poeirentos de Maceió. Chegou até a despontar como meio de campo juvenil do time do CSA, o principal da cidade, onde se quisesse teria feito carreira de jogador profissional.

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Seu campo de jogo no entanto era outro: um amplo e confortável salão na casa do seu amigo de escola Marcio, cujo pai, o Dr. Ismar Gatto, possuía um poderoso equipamento de som quadrifônico e, coisa raríssima naquela Maceió do início dos anos 1960, uma coleção de discos que parecia conter toda a música do mundo. Foi lá que o menino também craque de ouvido deparou-se com a música eterna de Bach a Beethoven, com a inventividade do jazz de gênios como Miles Davis, John Coltrane e o canto negro de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Billie Holiday; com toda tradição musical brasileira, de Noel Rosa a Tom Jobim e a bossa nova, das escolas de samba ao samba canção, da riqueza harmônica às síncopes rítmicas, toda aquela música que ouvia na Rádio Nacional com sua mãe; foi lá que ouviu para seu espanto que Jackson do Pandeiro, Ary Lobo e principalmente Luiz Gonzaga, faziam grande música.

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Foi lá que Djavan teve a certeza de que deveria fazer música, seguindo a intuição de sua mãe. Mal sabiam começava ali a trajetória de um dos maiores cantores e compositores do mundo, dono de um violão e de um estilo únicos, que logo seguiria para conquistar primeiro o Rio de Janeiro, o Brasil e a música brasileira. E depois o mundo, palcos, estúdios e parceiros de Estados Unidos, Europa, África…

Nascido em 27 de janeiro de 1949, em família pobre, teve boa educação escolar mas aprendeu violão sozinho, nas deficientes cifras de revistas. Aos 18 anos, no entanto, já anima bailes da cidade com o conjunto, bem no espírito lisérgico da época da explosão do rock, Luz, Som, Dimensão (LSD). Não demora a sentir necessidade de compor suas próprias músicas. E compõe dezenas de canções que sumiram, mesmo da memória.

Aos 23, Maceió já pequena para o sonho de ser cantor, muda-se para o Rio para tentar a sorte no mercado musical. Depois de um início difícil tem o talento percebido e torna-se crooner de boates famosas como Number One e 706, onde exerce sua versatilidade musical.

Djavan Djavan

Com a ajuda de Edson Mauro, radialista esportivo e seu conterrâneo, conhece João Mello, produtor da gravadora Som Livre, que o leva para a TV Globo. Passa a cantar nas trilhas sonoras de novelas, para as quais grava músicas de compositores consagrados como Dori Caymmi, Toquinho e Vinícius, Marcos e Paulo. Sérgio Valle. “Alegre menina”, de Dori Caymmi e Jorge Amado, é o maior sucesso da novela “Gabriela”, o que faz sua voz ser conhecida, antes mesmo de sua imagem.

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Visto hoje, este trabalho não marca apenas a estreia de Djavan. Torna-o figura incontornável na história da música brasileira.

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Em três anos, entre 1972 e 75, nas horas vagas do microfone, compõe mais de 60 músicas, de variados gêneros. Com uma delas, o samba “Fato Consumado”, tira segundo lugar no Festival Abertura, realizado pela TV Globo em 75, e chega ao estúdio da Som Livre. De lá sai com seu primeiro disco, das mãos do mítico (de Carmen Miranda a Tom Jobim) produtor Aloysio de Oliveira. “A voz, o violão, a música de Djavan”, de 1976, é um disco de samba sacudido, sincopado e diferente de tudo que se fazia na época. Visto hoje, este trabalho não marca apenas a estreia de Djavan. Torna-o figura incontornável na história da música brasileira.

Atenta àquela revelação a gravadora EMI-Odeon investe pesado no segundo disco, “Djavan”. Com uma orquestra dos melhores músicos da praça de 1978, o álbum, marcado pela descoberta das grandes canções de amor e desamor, consagra-o como um compositor completo, para além do samba muito pessoal que chamara a atenção de todos.

Dois anos depois, em 1980, Djavan lança “Alumbramento” e mostra que, além de completo, dialoga bem com seus pares. O disco inaugura parcerias com Aldir Blanc, Cacaso e Chico Buarque, agora definitivamente colegas de primeiro time da MPB.

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A essa altura, talento reconhecido por crítica e público, Djavan vê algumas de suas músicas ganharem outras vozes: Nana Caymmi grava “Dupla traição”, Maria Bethânia, “Álibi, Roberto Carlos, “A ilha”, Gal Costa, “Açaí” e “Faltando um pedaço” e Caetano Veloso, retribuindo a homenagem do verbo caetanear, substitui por djavanear em sua versão de “Sina”.

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Pronto. Djavan realizara seu sonho e o de sua mãe. Era um cantor, compositor, músico de sucesso. Começava, junto com a década de 80, o momento de virada na vida e na obra de Djavan, a construção de fato de sua maneira muito própria de fazer música e de viver.

Tanto que no disco que gravaria em 1981, “Seduzir”, ele confessaria no encarte o seu momento de precoce maturidade: “O pouco que aprendi está aqui. Pleno. Dos pés à cabeça”.

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Foi neste momento que ele fez coisas definitivas: montou sua própria banda, fez as tranças no cabelo, imagem que o caracterizaria vida afora; e começou suas turnês pelo Brasil e o mundo, eixo de sua carreira.

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Em 1982, a música “Flor-de-lis”, hit instantâneo do disco inaugural, torna-se o primeiro sucesso de Djavan no disputado mercado americano, na voz da diva Carmen McRae, com o título de “Upside Down”, início de uma trajetória que o faria um dos compositores brasileiros mais gravados no mundo, ao lado de um Tom Jobim, um Ivan Lins. Chega o convite da gravadora CBS, futura Sony Music, e Djavan embarca para Los Angeles para gravar, sob a produção de Ronnie Foster, um dos principais da soulmusic americana, “Luz” (1982). E a estreia americana não poderia ser mais feliz: Djavan contou com a participação de alguns dos melhores músicos americanos e abre o disco com, talvez, o maior deles, em 82 como agora, Stevie Wonder, que participa da faixa “Samurai” como uma espécie de boas vindas ao circuito da música pop mundial. E um inequívoco sinal de prestígio.

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Em 1984, em Los Angeles, Djavan grava ainda um segundo disco, “Lilás”. Seguem-se dois anos de viagens em turnê pelo mundo. Antes, no Brasil, Djavan arrisca-se na carreira de ator no filme “Para viver um grande amor”, uma adaptação da peça “Pobre menina rica”, de Vinicius de Moraes e Carlos Lyra.

A partir de 1986, quando volta a gravar no país, Djavan comemora seus dez anos de carreira como compositor, alternando-se entre o Brasil (onde nunca deixou de residir) e o mundo. Musicalmente este é o Djavan em dez anos de carreira: explorador do som das palavras, das imagens inusitadas, da variedade rítmica, das brincadeiras com andamentos, melodias fora dos padrões e riqueza harmônica. Um artista, único, pois.

A partir daí, disco a disco, turnê a turnê, Djavan foi construindo sua obra, tornando-se um artista de prestígio internacional mas também de grande popularidade no Brasil. Em 1989, lança a canção que seria um marco neste aspecto, “Oceano”, uma daquelas músicas perfeitas em forma, conteúdo, música e letra.

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Nas suas viagens musicais pelo mundo, Djavan tem dois encontros fundamentais, uma espécie de reencontro com suas próprias origens. O primeiro foi com a Espanha, as influências árabes, ciganas, da música flamenca e da grande arquitetura de Gaudí. Depois, com a África, mais especialmente, durante uma turnê em Angola, a ilha de Mussula, onde ao conhecer o ritmo local ele parece ter descoberto uma forma musical ancestral – não por acaso, em homenagem a esse encontro, ele batizou sua produtora de Luanda.

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Em 1994, ele chega à total maturidade artística, e no disco “Novena” passa a fazer trabalhos com total autonomia artística, inteiramente composto, produzido e arranjado por ele.

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Em 1999, o trabalho com esse conjunto chegaria ao auge com o CD duplo “Ao vivo”, que venderia dois milhões de cópias.

Amparado nessa popularidade e gravando cada vez discos mais ousados, em 2004 Djavan comemora sua independência total, com a criação de sua própria gravadora, a Luanda Records, que viria a lançar seus discos seguintes. É o surgimento do empresário Djavan Caetano Viana.

Mas, o que será que o empresário Djavan quer do artista Djavan?

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Que este vá do suingue ao blues, trafegue pelas baladas e por sua personalíssima forma de fazer samba, mantendo sempre sua característica mão direita ao violão, inspirado na vida cotidiana para enriquecer suas letras. E que faça, religiosamente, discos com composições novas – ao lado de releituras de sua obra para outros ambientes, como em “Na pista”, ou usando a sua voz privilegiada para cantar outros compositores como em “Ária”.

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E que continue na busca constante por caminhos que renovem sua forma de fazer canções. Com os ouvidos e a empolgação daquele garoto de Maceió que um dia largou a bola pela música. E a emoção do menino encantado com a mãe lavadeira fazendo arranjos vocais enquanto lavava a roupa no rio.

Hugo Sukman
(Julho/2018)